Já faz alguns dias que publiquei uma análise sobre o recém lançado livro ZBrush para Iniciantes escrito por Alessandro Lima. o livro é uma excelente referência sobre modelagem 3d e design para personagens, explicando em detalhes como funciona o processo de design usando esculturas. O autor do livro tem vasta experiência no design de personagens e projetos envolvendo jogos digitais. Para divulgar um pouco mais da sua experiência e contar sobre o livro e o mercado de jogos 3d no Brasil, o Alessandro gentilmente aceitou conceder uma entrevista, falando sobre sua carreira e mostrando um pouco do seu trabalho.

A entrevista ficou um pouco longa, mas é extremamente recomendada para estudantes e profissionais que desejam se profissionalizar nessa área tão concorrida. Para complementar ainda mais a entrevista, o autor relacionou uma bibliografia e dicas de web sites sobre computação gráfica nesse documento. No final você encontra os contatos do Alessandro Lima.

Espero que você goste da entrevista.

1. Allan Brito: Como você começou a sua carreira na área de Computação Gráfica?

Alessandro Lima: Eu comecei minha carreira em 2003 aproximadamente, um tempo depois de assisitir ao filme Final Fantasy – The Spirits Within, onde pensei comigo mesmo enquanto assistia a este: “ainda vou trabalhar com isto (Computação Gráfica), só não sei como, mas vou…”. Depois disto, uma sequência de eventos ocorreram, e de forma inesperada eu havia conseguido meu primeiro emprego na área: Maquetes Eletrônicas, pela Compumanager LTDA. Na ocasião eu havia feito vários cursos de CG, entre eles, um de 3ds max, a qual com meus conhecimentos (poucos na ocasião), juntamente com meu portfólio de desenho de mão, me deram condições de conseguir a vaga, até porque, na época, até de graça eu trabalharia se fosse para trabalhar com Desenho no computador. Fiquei 3 anos na Compumanager, sendo responsável por desenvolver os ambientes internos e eventualmente desenvolvia ambientes externos ou animações. Em 2005 tomei conhecimento de uma empresa de Jogos Digitais aqui de Porto Alegre, a Southlogic Studios, hoje, Ubisoft Unidade Porto Alegre e me interessei pela idéia de migrar para outra área, ainda dentro da Computação Gráfica. Como eu não tinha um portfólio específico, tive de trabalhar nisto e em 2006 eu estava na equipe deste Estúdio. Lá fiquei responsável por desenvolver Assets usados dentro dos jogos, bem como desenvolvia portfólio da empresa voltado ao tipo Next-Generation (Next-Gen). Foi uma época em que pude desenvolver conhecimentos sobre a área de jogos, o que, posteriormente, me favoreceu a participar de um Outsourcing, pela Southlogic para o Game Deer Hunter Tournament em 2008, publicado pela Atari. Nesta osasião, eu já estava na Aquiris Game Experience.

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Super Volei Brasil 1, jogo de Vôlei da Seleção Brasileira de Vôlei, a qual o ZBrush foi usado na correção de emendas em texturas.

A Aquiris desenvolve jogos para a Web, do tipo Advergames, que são jogos usados em campanhas de divulgação ou apresentação de produtos para a Publicidade e Propaganda. Neste estúdio sou responsável pelo desenvolvimento e criação de personagens de praticamente todos os jogos, fazendo desde a concepção muitas vezes, até modelagem, Layout UV, Texturização, Rigging, Skinning e algumas eventuais Animações. Evidentemente, os projetos dentro deste estúdio costumam ser desenvolvidos de maneira rápida, então estou em constante aprendizado em novos projetos, o que, para meu currículo, é ótimo.

Esta tem sido minha trajetório, sempre com muito esforço e estudo. Em meio a tudo isto, estou terminando minha graduação este ano pela Uniritter de Porto Alegre, em Design Gráfico e ao mesmo tempo desenvolvendo material de ensino, como estes meus livros. Para o futuro eu gostaria que me fosse possível continuar evoluindo na área.

2. Allan Brito: Você fez algum curso para aprender a trabalhar com esses softwares, ou é autodidata?

Alessandro Lima: Fiz muitos cursos entre 2002 e 2003, entre eles, fiz 3ds max, Web Design, Lógica de Programação, Access, Java Script, Asp, Visual Basic, Desenho Tradicional entre outros. Foi um tempo em que estudei muito, pois estava desempregado e tinham em mente realmente parar para estudar. Depois disto, poucos cursos fiz, me focando em aprendizado autodidata, pois uma vez que a pessoa entenda um software, aprender outros de interface similar se torna mais fácil. De lá para cá, fiz estudos com o 3ds max, Vray Render, Radiosidade do 3ds max, Zbrush, MudBox, Body Paint 3D, Autocad e por último, Unity3D Engine. Sempre procuro comprar livros técnicos sobre as ferramentas que pretendo aprender e quando isto não é possível, procuro por tutoriais e fóruns especializados como a 3d1, 3d4all, 3dtotal, CgSociety e Game Artsans.

3. Allan Brito: O Livro ZBrush para Iniciantes já é o seu segundo livro na área de CG. O que você aprendeu com a criação do primeiro livro, e que foi aplicado nesse segundo?

Alessandro Lima: Bem, apenas como uma breve explicação, este livro de Zbrush na verdade seria meu terceiro livro. Aconteceu mais ou menos assim: um ano depois de ter lançado o “Desenvolvendo Personagens em 3D com 3Ds Max” em 2007, ocorreu-me que seria oportuno tentar uma nova publicação, eu apenas não tinha em mente um assunto. Das opções que considerei, fiquei com a de Projeto de Jogos Digitais, focado em personagens, observando os métodos de produção para “Games Next-Gen”. Então, ainda em 2008 iniciei minhas pesquisas e produção inicial do projeto, bem como, busquei parceiros. Ao final do mesmo ano, eu já tinha um bom material confeccionado, mas eu tinha tanto material que falava sobre “Projeto”, como de “Ferramentas”. Deste material, o capítulo de ZBrush estava muito completo. Decidi que seria muito bom, tanto para mim como autor, como para os leitores, bem como para a Editora, que a parte de ZBrush focado nas ferramentas, fosse destacado e melhorado, assumindo o formato de livro (que pode ser conferido em “ZBrush para Iniciantes”, lançado a poucos dias pela Editora Ciência Moderna). Com relação ao material de Games, este eu pude reservar para falar apenas sobre “Projeto”, e deve ser publicado até 2011, também pela Editora Ciência Moderna, sob o nome de “Design de Personagens para Games Next-Gen”, dividido em dois Volumes.

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Imagem de personagem usado de exemplo em meu próximo livro, “Design de Personagens para Games Next-Gen”

Muito se aprende de um livro para outro, especialmente na questão de organização e projeto de livro. Eu decidi que o próximo livro deveria ser mais bem escrito, com relação ao primeiro. Exatamente por isto, adquiri dois livros que tratam justamente disto: como desenvolver um livro, que me ajudaram a entender melhor o mercado editorial e compreender como um livro deve ser. Aliado a isto e minha experiência anterior de ter produzido um, puder fazer um material muito melhor, segundo minha avaliação e espero que os leitores também o vejam desta forma.

Uma das coisas que aprendi foi a responsabilidade em se poder publicar um segundo livro: o primeiro pode ser um “acaso de sorte”, mas o segundo é a confirmação de que não foi um “acaso de sorte” e que tudo que ali está escrito, será lido por outras pessoas e pode ser seguido. Então a veracidade deve ser absoluta. Tudo que for publicado, será lido por outras pessoas e ser preciso e verdadeiro, tem de ser levado muito a sério, pois outras pessoas irão compartilhar seu pensamento e talvez até podem segui-lo ou apoiá-lo. E isto, é muita responsabilidade.

4. Allan Brito: Como foi a experiência de escrever um livro sobre ZBrush?

Alessandro Lima: Foi muito boa. Pude aprender mais sobre a ferramenta, finalmente pude entender como ela funciona, sua maneira de ser utilizada. Evidentemente, o que este meu livro de ZBrush oferece é muito claro: como utilizar as ferramentas de ZBrush. Não é um livro que trata de como fazer arte com a ferramenta, talvez seja isto que alguns leitores esperam. Todavia, eu procuro ver este livro como uma ajuda para entender seu uso, como forma de preparar o leitor para o meu próximo livro, a qual as ferramentas não serão explicadas em sua totalidade, serão usadas de fato.

Para produzir um livro de arte com ZBrush, um outro tipo de estudo se faz necessário: anatomia humana, desenho tradicional, escultura tradicional e isso seria um assunto para um livro específico. Eu poderia criar este livro de arte com ZBrush, mas com certeza, um livro que explica as suas ferramentas (como este que lancei) ainda seria muito importante e base para tudo.

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Jogo Casas Bahia, a qual o Zbrush foi usado na correção de emendas em texturas e refino nestas.

Agora falando das dificuldades ao longo do desenvolvimento, bem, posso dizer que foram muitas, especialmente quando não se tem nenhum curso em que se possa tirar todas as dúvidas com um professor por perto. Minhas melhores fontes de aprendizado foram sem dúvida a ajuda online do ZBrush, dois livros que comprei (ZBrush Character Creation: Advanced Digital Sculpting de Scott Spencer e Introducing to ZBrush de Eric Keller, ambos publicados pela Editora Sybex em 2008), em língua inglesa. Juntamente a estes exemplares, as participações em fóruns nacionais e internacionais foram de extrema valia (3d1, 3d4all, 3dtotal, CgSociety e Pixolator, fórum oficial de ZBrush). Mas acima de tudo, a expêriencia prática e pessoal e troca de ideias com colegas de trabalho que também usam a ferramenta, me ajudaram muito, pois pude trocar boas experiências com eles.

Então, para fechar essa questão, posso dizer com certa convicção, que não foi uma tarefa fácil, mas foi muito prazeroza, pois eu sabia que ao término iria dominar a ferramenta, mesmo que de forma autodidata, e ainda assim, poderia dispor um material que iria ajudar outras pessoas que, como eu, encontraram certa dificuldade em aprender o ZBrush. Algumas pessoas se intimidam até com a interface do software, mas podem ter certeza, ela é muito mais fácil de usar do que a primeira impressão.

5. Allan Brito: Você considera o ZBrush melhor que o Mudbox?

Alessandro Lima: Bem, essa questão é bem antiga e parecida com uma que conhecemos: “3Ds Max ou Maya?” Hoje, depois de tanto tempo usando e aprendendo softwares diferentes, penso que posso dizer que isso é “irrelavante”. Pois o resultado, depende unicamente da capacidade do artista de usar o software corretamente. Considero hoje o software, uma ferramenta tal como o papel, lápis e borracha foram para artistas do passado. Então, independente de qual ferramenta utilizar, o resultado depende da “mão do artista” que utiliza esta.

Agora sobre um outro aspecto, em termos mais práticos e projetuais, acho que cada empresa ou artista, deve observar o custo de aquisição de cada software, confrontado ao objetivo final. Pesada esta balança, deve-se optar por uma ferramenta ou outra. Certas empresas ou artistas irão preferir usar o MudBox por ser da mesma família Autodesk, outros irão preferir o ZBrush por que este foi o pioneiro. Particularmente, eu gostaria de me aventurar mais no MudBox, mas o ZBrush, da maneira como está, já oferece tudo que se precisa de um software escultor digital. É verdade que sua interface “parece mais complicada de aprender” se comparada a interface de seu concorrente, mas posso garantir, baseado no conteúdo de meu livro, de que ela é uma das melhores interfaces produzidas, justamente pelo seu “Princípio de Circulariedade” e que favorece um bom aprendizado.

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Jogo Axe Music Star.

Não devo dizer que “este é melhor do que aquele”, mas posso dizer que se for observado a necessidade, com o valor de investimento disponível, confrontado com o objetivo final, gera uma equação que fornece condições a empresa ou artista decidir, qual é a melhor escolha. Eu fiquei com ZBrush e estou muito contente, até porque, foram muito atenciosos e receptivos quando comentei junto a eles, da ideia de um projeto de livro nacional baseado no ZBrush.

6. Allan Brito: O uso de softwares como o ZBrush é fundamental para design de personagens? Seria um requisito para artistas interessados em trabalhar com isso?

Alessandro Lima: Bem, vamos por partes: ZBrush, bem como 3ds max, Maya, XSI ou qualquer outro software, deve ser encarado como uma ferramenta apenas, a qual não dita se a pessoa está apta ou não para produzir personagens ou objetos virtuais apenas por conhecê-los. Para se trabalhar com Design de Personagens, a pessoa deve munir-se de todo um estudo a parte das ferramentas, a qual compreende desde anatomia humana ou animal, bem como estudo de desenho tradicional, materiais, texturas ou até mesmo noções em escultura. Uma vez que se tenha tal conhecimento, pode-se trabalhar com qualquer Projeto de Personagem usando qualquer ferramenta (seja software, seja tradicional).

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Personagem principal do jogo Gillette Young Guns, a qual o Zbrush foi usado não apenas na confecção de texturas, mas na definição de volumes da personagem e reforço nas dobras de roupa na textura.

Com relação a segunda parte desta questão, eu acredito que o principal requisito para se ter uma abertura de mercado, com a produção de personagens digitais, seria a capacidade artística e a bagagem de conhecimento, aliado ao repertório artístico que o indivíduo é capaz de produzir. Saber de antemão a ferramenta, realmente fará a decisão do empregador ser mais acertada. Acho extremamente válido a pessoa estar atualizada com o mercado e saber as principais ferramentas, mas todo seu “background de conhecimento” certamente ainda será muito importante.

7. Allan Brito: Em quais projetos você está usando o ZBrush atualmente?

Alessandro Lima: Bem, pelos trabalhos pessoais, neste momento eu estou de “férias”, pois não estou trabalhando em nenhum projeto específico que envolva ZBrush. Como comentei antes, tenho um terceiro livro que estou desenvolvendo dividido em dois volumes (“Design de Personagens para Games Next-Gen”). Neste momento eu estou na etapa de revisão de texto com a Editora. Então eu posso dizer que estou trabalhando ainda em um material que, de certa forma, explica ZBrush, mas o foco é mais abrangente. Particularmente, não vejo a hora de terminar os livros, poder parar para decidir o que fazer para melhorar meu portfolio pessoal, com tudo que aprendi nestes últimos anos.

Com relação aos trabalhos profissionais, tenho usado o ZBrush como ferramenta auxiliar na produção de textura de modelos digitais para jogos Web. Ele tem sido muito eficaz nisto, bem como um grande agilizador, pois rapidamente posso resolver problemas que antigamente me consumiriam horas tentanto resolver.

Recentemente, a empresa em que presto serviço, foi chamada pelo fabricante Unity para desenvolver o Demo Técnico da Unity3D Engine versão 3.0 de jogos, a qual tem sido usada amplamente em trabalhos de jogos online. Esta Demo acompanhará a instalação do Software, bem como será usada na demonstração de novos recursos que entrarão nesta versão 3.0. Estamos trabalhando desde os cenários, até alguns personagens que irão aparecer nesta Demo (das quais, tirando o personagem principal que nos foi enviado, todos foram desenvolvidos por mim, tomados como base, o modelo enviado). Esta Demo observa as questões envolvidas em produção de jogos voltados para a nova geração de consoles de vídeo-game (Games Next-Gen), curiosamente e de forma ocasional, é o assunto do meu próximo livro. Pude aplicar mais uma vez na prática meus conhecimentos adquiridos previamente e isto tornou o processo mais fluido e tranquilo, pois eu tinha noção do que e como fazer. Minha responsabilidade nesta Demo foi a de desenvolver diversos modelos digitais coerentes com o modelo enviado por eles (tanto nas questões técnicas de produção, bem como nas artísticas), sendo que em alguns momentos, foi necessário a intervençao do Artista Conceitual da Aquiris.

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Imagem de personagem que será usado na próxima Demo Técnica da Unity3D Engine.

8. Allan Brito: Se você tivesse que dar um conselho para os artistas iniciantes nessa área, qual seria?

Alessandro Lima: Acho que esse conselho é o mesmo que todos indicam, e curiosamente, me parece o mais eficaz: amor, estudo, trabalho e humildade. Não creio que exista uma fórmula mágica, acho que existe sim, essas 4 palavras. Tenha muito amor pelo que faz, não importando se as pessoas digam que não vale a pena, pois ninguém melhor do que a própria pessoa, para decidir o que é ou não importante em sua vida: se você acha que pode ganhar dinheiro com seu trabalho, então invista nisto e pocure propciar condições de você ir para frente. Não estou dizendo que qualquer ideia deve ser apostada, mas sim, selecionar a melhor ideia e trabalhar para que ela possa gerar renda. O sucesso virá aos poucos, conforme seu trabalho for sendo divulgado e reconhecido. Uma coisa é fato: se o trabalho é feito com amor, estudo e humildade, o reconhecimento virá em um momento ou outro. De forma adicional, insira em sua vida profissional a palavra “Projeto” e faça uso de seu conceito sempre que puder.

Trabalhe sempre com objetivo e foco, lembre-se sempre: “Projeto: Disciplina, Planejamento e Organização”, desde meu primeiro livro, estas palavras norteiam a minha vida profissional e tenho certeza que quem as usa, tem muitas chances de ser bem sucedido, independente do tipo de trabalho ou resultado que consegue desenvolver. Procure participar em fóruns, expor seu trabalho, monte uma rede de amigos e contatos profissionais no Linkedin, crie um Site, Facebook ou Blog, tenha um perfil no Twitter e procure informar coisas boas e importantes. Disponha algum conteúdo relevante e de forma regular, tornando-se referência em algum assunto. A rede de relacionamentos hoje é indispensável, e por estes meios, o Artista tem mais chances de ser notado. Use-os de forma profissional!

Gostaria de agradecer a Allan Brito pelo espaço para esta entrevista. Espero que todos tenham gostado e aproveito para dizer que me disponibilizo para qualquer eventual esclarecimento com meus livros ou para qualquer outra questão. Podem me contatar através dos seguintes endereços:

Web sites:

e-mail:

  • alessandrolima em alessandrolima.com
  • alessandroplima em gmail.com